A Visão publicou uma “carta aberta” a Marcelo de uma estudante que tinha o sonho de ser médica.
Mas uma investigação feita pel’Os truques da imprensa portuguesa revelou que a “Maria” não existe.
Conhece aqui o texto integral:
O estranho caso de Maria Barros
O país acordou hoje com a história da Visão sobre Maria Barros, uma jovem de 18 anos que terá escrito uma carta ao Presidente da República sobre o facto de não ter entrado em nenhum curso de medicina por apenas três décimas. O tom empenhado e comovido incendiou, de imediato, uma polémica e despertou as velhas considerações do senso comum: “Tanta falta de médicos e tantos jovens que ficam tantos de fora… São os interesses…”, ”Se estamos a contratar estrangeiros, porque mandamos embora os nossos melhores?”, “Só por 3 décimas, onde é que já se viu?”
O debate é não só polémico como extremamente conveniente para alguns grupos de interesses (políticos e económicos) bastante influentes na sociedade portuguesa. A pressão de universidade privadas interessadas aceder a cursos de medicina e das estruturas económicas que estão por detrás delas tem sido intensa, como, aliás, demonstrámos recentemente. Isso levanta, claro, uma suspeita e obriga-nos a pôr uma história aparentemente inofensiva à prova.
Não cabe a esta página fazer considerações quando ao tema de fundo – cada um terá a sua opinião sobre a necessidade ou desnecessidade de mais vagas em Medicina; cabe-nos, isso sim, verificar os factos por detrás das notícias. E, diz a Visão, são estes os dados:
1. A Maria tem uma média de secundário de 17.8;
2. A Maria tem um sonho – Medicina – e só admite isso na vida;
3. A Maria obteve 16.3 no exame nacional de Fisco-Química A;
4. A Maria não está na Universidade.
Decidimos procurar a Maria Barros. Ns listas públicas, fornecidas pela Direção Geral do Ensino Superior, dos candidatos a Medicina em 2016 (1ª e 2ª fases) há 4 “Marias Barros” diferentes, com notas parecidas com as indicadas na carta da Maria:
1. Maria I. C. Barros. F.: média de secundário de 18,2; média de candidatura de 17,52. Para além disto, esta Maria Barros só se candidatou a 4 Universidades de Medicina, colocando como hipóteses o curso de Medicina Veterinária e de Medicina Dentária, onde efectivamente entrou. Não pode ser esta a “nossa” Maria, que só admitia Medicina.
2. Maria L. M. Barros: média de secundário de 18.5, nota de candidatura de 17,72. Para além disso, esta Maria só se candidatou a cursos no Porto, dois dos quais de Medicina, os restantes noutras áreas (incluindo Línguas, na Faculdade de Letras). Outras informações públicas indicam que é natural de Vila do Conde. Definitivamente, não é esta.
3. Maria. F. S. Barros: média de secundário de 18.5, nota de candidatura de 17,4 em Medicina que foi… a sua terceira opção. Não. Não é esta.
4. Maria J.G.M.C. Barros: média de secundário 17.6 (1.ª fase) e 18.0 (2.ª fase); média de candidatura em 1.ª fase 17.3, em 2.ª fase 17.7; Se os números, bem martelados, poderiam ser confundidos com os que a Maria invoca, já o facto de não ter esgotado, em nenhuma das fases, as suas opções de candidatura em Faculdades de Medicina (colocou entre as opções os cursos de Engenharia Biológica, Medicina Dentária e Engenharia Biomédica) leva-nos a crer que não será também esta a Maria que tão desesperadamente quer entrar em Medicina.
Extinguindo todas as hipóteses, fica no ar uma inconsistência tremenda da história que a Visão apresenta hoje. Quem é Maria Barros? Existe mesmo?
Certo é que, caso exista, a Maria mentiu. Mas esse é o menor destes problemas. Quem ganha e quem perde com este “facto viral” que inunda a imprensa, clamando emocionadamente por mais “vagas em medicina”?
Será coincidência vir logo após a confirmação de que os zunzuns encomendados de um novos curso de medicina na Católica eram afinal precipitados?
Enfim: elucide-nos quem souber. Certamente a Visão saberá, pois dificilmente daria todo este palco a uma carta aberta de alguém que não entrou num curso porque tinha cerca de 400 pessoas (numas Faculdades mais, noutras menos) com melhor nota à sua frente. Nada nos agradaria mais do que descobrir que nos enganámos. Brincar com os sentimentos das pessoas e com o desespero real de muitos alunos é grave demais para ser verdade.