Os últimos dias têm sido marcados pelo novo escândalo nacional, a reportagem da Ana Leal sobre a Associação Raríssimas e sobre os alegados casos de gestão danosa por parte da presidente da direcção demissionária Ana Paula Brito. É interessante ver que choca mais a opinião pública uma reportagem sobre gente sem escrúpulos que se aproveita das funções que exerce do que o alegado roubo de crianças aos seus Pais biológicos, situação também denunciada em reportagens da mesma TVI de Ana Leal.
A diferença no grau de indignação entre as duas reportagens diz muito do Povo em que nos transformámos. Os putos pobres, filhos de gente pobre que se lixem, isso não tem importância nenhuma, agora alguém meter dinheiro ao bolso? Isso é que não, monte-se o pelourinho!
O que Ana Leal fez com a Raríssimas não foi jornalismo de investigação, jornalismo de investigação foi o trabalho feito pela Alexandra Borges e pela Judite França sobre a IURD. O jornalismo da Ana Leal, a que alguns chamam de corajoso roça a coscuvilhice, é feito com base no que parece e naquilo que lhe dá jeito, ficando por fazer muitas perguntas e ficando por explicar muitas coisas.
As perguntas que Ana Leal não faz são aquelas que lhe podiam destruir a tentativa de colagem politica do caso, as explicações que Ana Leal não dá são aquelas que podiam clarificar certas posições.
Comecemos as explicações e as perguntas em falta:
- As contas apresentadas numa assembleia geral são elaboradas por um contabilista, verificadas por um tesoureiro e aprovadas por um conselho fiscal que emite um relatório para a assembleia geral;
- Porque razão o contabilista da Raríssimas não informa de que há irregularidades nas contas da associação?
- Porque razão o tesoureiro, no exercício da sua função, não denuncia que há irregularidades nas contas?
- Porque razão o conselho fiscal aprova as contas e o relatório que é enviado à assembleia geral e não denuncia irregularidades?
- Ana Leal e os paladinos do jornalismo de sarjeta sabem, mas não explicam que as contas apresentadas em assembleia geral, em todas as assembleias gerais, sejam elas de associações ou empresas não são contas detalhadas, são contas por rúbricas (em anexo o plano previsional de contas das Raríssimas para 2016 que não deferirá em muito das contas apresentadas);
- O que os associados e a mesa da assembleia geral têm de informação nas contas apresentadas é que se gastou 1 milhão de euros em remunerações, 110 mil euros em deslocações, 15 mil euros em despesas de representação;
- Sem informação detalhada, sem relatório fundamentado, sem denúncia efectiva os associados, com base na informação que lhes é fornecida aprovam, ou não, as contas que lhes são apresentadas ou, caso alguma rúbrica lhes desperte atenção pedem explicações, por exemplo, 34 mil euros em comunicações? Isso dá quase 3 mil euros por mês, como é que se gasta tanto dinheiro em telefone, internet e afins? Perguntava-se e a direcção explicava, ou não, a razão de tal gasto.
- É desta forma que as assembleias gerais aprovam contas, por rúbricas não detalhadas. Um associado, ou um membro da mesa da assembleia geral, não sabe qual é o vencimento do porteiro, da telefonista ou da presidente, sabe que se gasta um milhão de euros em remunerações e concorda com isso ou não concorda, pede mais explicações ou não pede, é informado por quem de direito (contabilista, tesoureiro, conselho fiscal) que alguém anda a meter a pata na poça, ou seja, o dinheiro da associação ao bolso e agirá em conformidade.
- É pura demagogia, puro aproveitamento politico afirmar-se que o actual ministro Vieira da Silva validou as contas da Raríssima. As contas foram validadas pelo contabilista da associação, pelo tesoureiro da associação e pelo conselho fiscal, estes sim validaram as contas, os associados e os membros da mesa aprovaram a validação feita por estes.
Transformar num caso politico o que aparenta ser um caso de gestão danosa por parte da presidente da direcção e incompetência por parte do contabilista, por parte do tesoureiro e uma absoluta negligência por parte do conselho fiscal é clara e notoriamente um aproveitamento.
Já agora, porque não perguntou Ana Leal a Teresa Caeiro ou ao deputado do PSD que ia tomar posse como membro da direcção a sua opinião sobre as contas da associação? Destruiria esta pergunta a retórica montada?
Esta montagem politica vai ao ponto de aquele que devia ser, já o foi, um jornal de referência, actualmente ao nível de pasquim, o Diário de Notícias, afirmar que o governo quadruplicou as verbas atribuídas à Raríssimas. Espanto dos espantos, teve de ser o “insuspeito” reacionário Observador a desmontar a narrativa e a demonstrar por A mais B que isso não era verdade, houve uma alteração de rúbricas e, tudo somado os valores atribuídos pelo governo estão, mais ou menos em linha com os que eram atribuídos pelo anterior governo, até ligeiramente abaixo. O Diário de Noticias retratou-se da burrada? Claro que não, não se pode deixar que a verdade estrague uma boa história!
O nabo do ex-secretário de estado pôs-se a jeito na orgástica entrevista de Ana Leal, a resposta à pergunta que lhe foi feita sobre a eventual relação pessoal que teria com a presidente da Raríssimas só tinha uma resposta possível “não é da sua conta, não tem nada a ver com isso!”. Esta pergunta só seria uma pergunta legitima se houvesse suspeitas de que os 63.000 euros que lhe foram pagos, antes dele assumir funções no governo, foram pagos para remunerar serviços horizontais e não verticais. Já agora, era bom perguntar-se que serviços prestava que justificassem tal remuneração.
Que fique claro que há perguntas do foro pessoal que podem e devem ser feitas, por exemplo, a pergunta feita por Victor Gonçalves a José Sócrates quando este lhe perguntou como é que actualmente pagava as suas despesas. É uma pergunta de interesse público, eu gostava muito de aprender como é que com 2300 euros mensais se vive assim, a sério que gostava e agradecia que me fosse ensinado porque estou farto de andar teso.
Uma coisa diferente é a importância ou relevância de quem dorme com quem. Não me interessa saber com quem dorme Sócrates, com que se deitava o nabo do ex-secretário de estado nem com quem andava enrolado o ex-vice-primeiro ministro, muito menos se andava enrolado com alguém que também fazia parte do executivo. Curiosamente só escandaliza o facto de haver relações familiares por serem reconhecidas e públicas, as que existem de forma obscura não interessam.
Uma outra pergunta que Ana Leal não fez, ou se fez não lhe interessou a resposta, quem tirou as fotografias ao nabo e à Dra. Presidente? Não sendo eles figuras públicas e conhecidas no Brasil, não tendo as fotografias aspecto de serem selfies alguém as tirou o que pode antever que alguém viajou com eles, quem viajou e quem pagou essa viagem?
Toda este escândalo à volta da Raríssimas não será mais um exemplo da velha máxima “zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades”?
Ana Leal, aqui vão algumas ideias para trabalhos de investigação a desenvolver, caso tenha interesse em coisas sem importância nenhuma:
- Tecnoforma;
- Venda da empresa de diamantes em período de gestão;
- Venda da EDP e CTT
- BPN (Oliveira e Costa, Dias Loureiro e Cavaco Silva)
- Cavaco Silva e a casa do Algarve
- Submarinos etc, etc, etc
Força com isso, dê gás às investigações que bem falta fazem, precisamos dum jornalismo de investigação forte, activo, e com as duas pernas bem assentes, sim porque isto de fazer jornalismo coxo, a usar só uma das pernas, não ajuda a resolver nada. É necessário usar a perna esquerda, mas também a direita, só assim se pode caminhar para uma sociedade justa.
Para terminar, diga lá aos seus putativos novos donos que o governo de Portugal e os portugueses não se deixam intimidar. Não é por manipularem reportagens tentando retirar dividendos políticos delas que vão conseguir ter a autorização de compra da TVI. Da mesma forma que levaram porrada nas invasões napoleónicas se for necessário levam outra vez.
O caso da Raríssimas ou não tão raras quanto isso deve ser analisado, investigado e devem-se retirar consequências, nomeadamente ao nível do controle dos dinheiros públicos que são canalizados para estas associações e a forma como é gasto esse dinheiro. Certamente é possível desenvolver mecanismos de controle que sejam ágeis e eficazes sem por em causa o bom funcionamento das instituições.
Não podemos nem devemos cair no erro de tomar esta árvore por toda a floresta!