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Tecnoforma: Ministério Público ignorou fraudes detetadas por Bruxelas

O relatório do Organismo Europeu de Luta Antifraude, entregue em 2015 e agora publicado, comprova que “foram cometidas graves irregularidades, ou mesmo fraudes, na gestão dos fundos europeus” no período em que Pedro Passos Coelho trabalhava na empresa. Bruxelas quer por isso reaver os 6,7 milhões de euros aplicados de forma irregular. O relatório foi ignorado pelo Ministério Público, que arquivou o processo.

O relatório do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) é de 2015 mas só agora ficou acessível ao público. Nele, Bruxelas comprova que “foram cometidas graves irregularidades, ou mesmo fraudes, na gestão dos fundos europeus” no período em Pedro Passos Coelho trabalhava na empresa.

A investigação do OLAF foi realizada a pedido do Ministério Público que recebeu as conclusões em 2015, mas o DCIAP – que liderava a investigação ao eventual favorecimento da empresa por parte de responsáveis políticos, entre os quais Miguel Relvas – ignorou o relatório e, em setembro de 2017, arquivou o processo “com conclusões em grande parte contrárias às do OLAF”, escreve o jornal Público num artigo assinado pelo jornalista José António Cerejo.

Segundo o OLAF, a empresa onde o Ministério Público não encontrou qualquer evidência de fraude era um “carrocel financeiro”, onde, a partir de 2004, se listavam despesas envolvendo casas em Angola, bem como “veículos topos de gama, frigoríficos, arcas congeladoras, placas de aquecimento, televisores, geradores, máquinas de lavar roupa, colchões, armários e quadros, etc.”. Tudo gastos que foram apresentados pela empresa para efeitos de reembolso dos fundos europeus, uma manobra que, segundo o OLAF, “parece que tem por objetivo aumentar os lucros da empresa”.

O OLAF detetou ainda manobras contabilisticas de “duplicação de custos”. O processo era garantido pela relação entre a Tecnoforma e a Oesteconsult (empresa contratada pela Tecnoforma para tratar da contabilidade dos projetos). Ambas as empresas contabilizavam simultaneamente créditos e dívidas sem nenhum pagamento ser realizado, algo que representa “uma prática deliberada e previamente acordada, com vista a beneficiar indevidamente a Tecnoforma”.

Por isso, concluem que os factos “demonstram claramente que as duas empresas criaram um sistema fraudulento (carrocel finaneiro) com o objetivo de receber indevidamente os fundos da União Europeia”, colocando-se em questão a “efetividade da prestação de serviços” sobre os quais a Tecnoforma recebeu fundos europeus. No entanto, uma vez que a investigação do Ministério Público foi arquivada, a decisão sobre a restituição dos 6,7 milhões de euros fica dependente da autoridade que gere o Programa Operacional Potencial Humano.

No total, “o montante a recuperar” por Bruxelas ascende a 6.747.462 de euros, provenientes do Fundo Social Europeu. 1.921.340 são relativos ao programa Foral – gerido por Miguel Relvas enquanto Secretário de Estado, e ao abrigo do qual a Tecnoforma foi financiada entre 2000 e 2006; 1.027.178 são relativos a projetos de parceria entre a Tecnoforma e a Anafre; e 3.798.943 relativos a projetos aprovados pelo Programa Operacional Potencial Humano.

O programa Foral financiou os programas de formação para sete aeródromos e dois heliportos. Dos sete aeródromos, um era militar – e nunca poderia ser enquadrado no programa -, um estava encerrado, dois não tinham funcionários e outros três apresentavam atividade residual e sem perspetivas de crescimento. Já os heliportos funcionavam apenas para situações de emergência. Apesar do dinheiro recebido e dos salários auferidos por Pedro Passos Coelho, no final de 2012, a Tecnoforma devia ainda mais de 30 mil euros a formadores.

Apenas em 2003, 82% do valor das candidaturas aprovadas a empresas privadas na região Centro, no quadro do programa Foral, coube à Tecnoforma. E entre 2002 e 2004, 63% do número de projetos aprovados a privados pelos responsáveis desse programa pertenciam à mesma empresa. Ao nível do país, no mesmo período, 26% das candidaturas privadas que foram viabilizadas foram também subscritas pela Tecnoforma.

Nada disto foi tido em conta pelo procurador do DCIAP (Coimbra), Rui Correia Marques, que, depois de ter recebido o relatório do OLAF em junho de 2015, encaminha o documento para a Polícia Judiciária onde o diretor da Unidade de Perícia Financeira emite um parecer expressando dúvidas sobre as suas conclusões, nomeadamente colocando em causa a existência de fraudes. Depois, o procurador Rui Marques emite novo despacho onde considera que a investigação do OLAF “abarca factos que ultrapassam largamente o objeto do presente processo”, uma vez que o DCIAP olhou apenas para “os projetos desenvolvidos pela Tecnoforma e pela Anafre no âmbito do programa Fora, o qual terminou em 2006”.

No entanto, em dezembro de 2015, o DCIAP pede o apoio de um consultor da Agência para o Desenvolvimento e Coesão para avaliar o relatório do OLAF. Rui Marques justifica a decisão com a necessidade de “recorrer a pessoa com especiais conhecimentos ao nível da tramitação dos fundos europeus”. A análise prolonga-se até 2017, com o consultor a entregar um parecer em abril passado onde conclui “não existirem indícios da prática de qualquer ilícito criminal (…), mas sim divergências interpretativas” entre o consultor e o OLAF. É com base neste parecer que, em setembro de 2017, o procurador arquiva o processo, alegando que “não é possível indiciar suficientemente as suspeitas constantes do relatório do OLAF”.

 

Fonte: Esquerda.net